Referência: FULLER, L. L. O caso dos exploradores de caverna. Trad. Plauto Faraco de Azevedo.
Porto Alegre: Fabris, 1976, 77p.
Colocando
o leitor na posição de um dos juízes do litígio, em “O caso dos exploradores de
caverna” Lon Fuller provoca o pensamento e a reflexão do jurista quanto à forma
como as leis são redigidas e, acima de tudo, aplicadas em situações incomuns.
O
livro trata dos pareceres e opiniões de cinco juristas, dentre eles o
presidente do tribunal, sobre a recorrência da decisão de sua condenação dos
quatro acusados do seguinte caso: em maio de 4299, os réus em companhia do
senhor Roger Whetmore, todos membros da Sociedade Espeleológica, realizaram uma
excursão à uma caverna local, onde acabaram por ficar presos devido a um
deslizamento de rochas que lhes bloqueou a passagem.
Em
razão dos mais de 30 dias que foram necessários para resgatar os exploradores e
de suas escassas provisões alimentares, os colegas, após consultarem um médico,
decidiram por sugestão do senhor Whetmore que escolheriam através de um jogo de
dados um dos presentes para que se sacrificasse afim de que sua carne servisse
de alimento aos outros para que pudessem sobreviver. Roger Whetmore, volta
atrás com sua decisão, mas ainda assim a sorte é jogada e o mesmo é escolhido.
Quando os exploradores são enfim salvos, descobre-se que no trigésimo
terceiro dia após sua entrada na caverna, o senhor Whetmore foi morto e serviu
de alimento aos seus companheiros. Estes foram julgados e condenados à morte
pelo Tribunal do Condado de Stowfield e recorreram da decisão à Suprema Corte
de Newgarth, onde os votos dos cinco juristas já citados tomarão a decisão
final.
Após explicar as circunstâncias do caso em questão, o presidente do
tribunal Truepenny expõe sua breve opinião de que o princípio da clemência
executiva seja aplicado ao caso e que, devido à situação extrema por que
passaram, a sentença dos réus seja alterada para uma prisão de seis meses ou
similar, sendo assim contra sua execução.
Semelhantemente, o jurista Foster faz uso dos argumentos de que os réus
não se encontravam em convivência da sociedade e, assim sendo, o direito
positivo não pode ser aplicado a eles e, ainda que pudesse, não deveria ser
aplicado em sua literalidade no caso, declarando-os, portanto, inocentes e se
posicionando contra sua condenação.
Em contrapartida, o juiz Tatting, refuta os argumentos de seu colega
Foster ao afirmar que os réus estavam, sim, sob os domínios do direito positivo
e cita ainda o fato de que o senhor Whetmore rescindiu de sua parte no acordo
deve ser levado em conta na decisão deste litígio. Entretanto, após apontar
erroneamente que este se trata de um caso que jamais ocorrerá novamente,
Tatting se posiciona incapaz de participar da resolução deste.
Posteriormente, o jurista Keen, utiliza para fundamentar sua conclusão o
argumento de que para se julgar este caso, não se pode aplicar suas concepções
pessoais de moralidade e sim a lei como está escrita. Ele afirma que abrir
exceções à norma escrita que diz claramente que “quem quer que intencionalmente
prive a outrem da vida será punido com a morte” (p. 8) terá maiores
consequências a longo prazo que a tomada de decisões impopulares. O juiz
conclui que a condenação dos réus deve ser confirmada.
Ressaltando a necessidade de se levar em conta a opinião pública, o juiz
Handy baseia seu voto na concepção de que o governo é um assunto humano e que,
em todo caso que envolva situações e princípios abstratos haverá divergência
entre os juristas. Ele afirma que o senso comum deve ser aplicado aos problemas
de direito e, sabendo da opinião popular sobre o caso, afirma que os réus são
inocentes e sua sentença deve ser reformada.
Após tais argumentações a sentença definida pelo tribunal de primeira
instância é confirmada e os réus aguardam sua execução.
É possível analisar a resolução do caso de duas formas distintas, uma tendo
como base o atual Estado brasileiro e a outra sob a ótica da sociedade em que
se passa a situação. Em ambas as formas, a partir dos votos de cada um dos
cinco juristas é possível extrair bons argumentos para confirmar a
culpabilidade dos réus, mesmo que sua sentença seja extrema, como infere o
presidente Truepenny.
No que concerne ao primeiro ponto de vista, ainda que citado por Foster
que este caso pode ser analisado do mesmo ponto de vista que define a legítima
defesa, tendo como base o código penal brasileiro verifica-se que os réus não
se enquadram em nenhuma das causas excludentes da ilicitude, sendo elas o
estado de necessidade, a legítima defesa, exercício regular do direito e o estrito
cumprimento do dever legal. Visto que o senhor Whetmore não era responsável por
colocar a vida dos companheiros em risco diretamente, nem lhes causou agressão
alguma, não há excludente de ilicitude aplicável ao litígio.
O fato de que Roger Whetmore rescindiu de sua parte no acordo antes que
a sorte fosse determinada, conforme cita Tatting, também deve ser levado em
consideração. Segundo as informações prestadas pelos réus, pode se compreender
que a natureza do contrato dependia intrinsecamente do comum acordo de todos os
participantes. Quando a vítima é morta pelos companheiros após esta rescisão,
um crime é cometido.
Em seguida, ao observar a situação tendo como base a legislação e
organização do Estado em que se passa a situação, a falta de informações e
descrições mais completas do ocorrido requer do jurista que tome sua decisão
com base na pouca informação que lhe é dada. Então, considerando o direito
positivo de tal sociedade que afirma que “quem quer que intencionalmente prive
a outrem da vida será punido com a morte” (p. 8) e novamente a informação da
rescisão do senhor Whetmore, os réus são mais uma vez considerados culpados.
Ainda assim, mesmo diante da culpabilidade dos réus, em ambas as
análises formuladas acima, acredita-se ser necessária a alteração da pena dos
envolvidos. Conforme citado por Handy, o senso comum deve, muitas vezes, ser
aplicado aos problemas de direito, pois a opinião e o conhecimento imparcial
coexistem dentro deste desde a sua formulação pelos homens até sua aplicação
nos mais diversos casos, como explica Rizzato Nunes em seu Manual de Introdução
ao Estudo do Direito ao diferenciar “doxa” e “episteme”. O senso comum nos
compele a desenvolver uma simpatia pelo caso e, levando em conta a opinião
pública, ser contrários a condenação à morte dos réus.
Conclui-se então, que em ambos os pontos de vista os réus são culpados
do assassinato do senhor Roger Whetmore, com base nos fatos de que este
rescindiu de sua parte no acordo e não colocava diretamente a vida dos
companheiros em risco. Porém, havendo possibilidade de comutação da pena de
acordo com o código penal vigente, esta deve ocorrer na forma de prisão por
tempo estipulado pelo tribunal, tendo em vista a situação extrema em que os
réus se encontravam.
REFERÊNCIAS:
GONÇALVES,
Victor Eduardo Rios. Direito penal – Parte geral. 18 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. Coleção sinopses jurídicas; v. 7.
NUNES,
Rizzato. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 5 ed. São Paulo:
Saraiva, 2003.
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